segunda-feira, 28 de novembro de 2011

circo temos. pão é que não, mas há pastéis de nata.

E vamos aos fados.
Das declarações de circunstância, deixem que comece por esta -  Catarina Vaz Pinto, vereadora da cultura na Câmara de Lisboa. O mais importante, diz a vereadora, é que a candidatura não se esgote hoje com a atribuição deste reconhecimento.
Ora, o reconhecimento de que se fala é o da eleição do fado como património imaterial da humanidade...  Então sigamos por aqui, pelas declarações de circunstância...  se a candidatura tinha já levado muita gente a interessar-se pelo fado, agora irá estimular a gente nova – diz o guitarrista José Pracana...  Também  a fadista Mariza acredita que agora todos passam a olhar o fado com outros olhos e que esta distinção forçará a que todos puxem para o mesmo lado, ou seja, para o lado do fado...  Carlos do Carmo, o porta voz da candidatura, que não pôde ir a Bali, mas acompanhou todo o processo desde Lisboa: que é uma canção que existe porque os portugueses a cantam e tocam... – admitamos que sim... e, acrescenta Carlos do Carmo, deve ter alguma coisa de muito especial para este reconhecimento tão entusiástico...
João Braga, entusiasmado quanto baste,  lembra que , desde que Amália fez levantar a plateia do Olympia de Paris, que o fado é património da humanidade. Mais depoimentos... Ana Moura – fadista – acha que o fado sempre foi património da humanidade, esta distinção só vai aconchegar-nos a alma e encher-nos de orgulho . Enfim, uma explicação já bastante mais aceitável, apesar de tudo.
E agora, à medida que os depoimentos se tornam mais solenes e oficiais, também o discurso se eleva e refina. Oiçamos o secretário de Estado da Cultura, Francisco Viegas:  "este reconhecimento da UNESCO é a confirmação do talento e do génio da cultura portuguesa." E agora Cavaco Silva: "o fado é reconhecido como património de toda a humanidade, um valor inestimável no presente e uma herança cultural importante para as gerações futuras."
E por fim, não um depoimento, mas antes a legenda que o Correio da Manhã escolheu para a reprodução d' "o Fado", o celebradíssimo quadro de José Malhoa. Diz assim: "no quadro "o Fado" pintado por José Malhoa em 1909, aparece um marginal com uma guitarra portuguesa na mão , encantando com a canção de Lisboa uma mulher da má vida no bairro da Mouraria".
Ora, haverá prova maior do talento e do génio da cultura nacional do que isto?... Um marginal cantando o fado a uma mulher da má vida numa tasca da Mouraria?...

Tudo isto é fado. Tudo isto é Portugal? Pergunta o Diário de Notícias em título ao especial de 12 páginas que hoje dedica ao assunto.  O sub título prossegue em tom de pergunta... se Portugal fosse uma canção seria o fado? A canção faz parte da marca do país e Portugal só terá a ganhar com o reconhecimento que lhe acaba de ser concedido pela UNESCO?... Toda a gente quer acreditar que sim...  que esta distinção há-de dar outra visibilidade ao Fado e  talvez tão, ou mais importante do que isso, pode transformá-lo num pretexto para  relançar a economia.. por exemplo , através dos pastéis de Belém, que são outro símbolo nacional.. o DN traz a reprodução de uma colecção de embalagens de pastéis de Belém com as caricaturas de alguns fadistas famosos... Amália, Marceneiro, Maria da Fé...  E há também uma colecção de selos de correio com a reprodução de fotografias de vários fadistas... Amália, claro e Marceneiro, forçosamente.. e Hermínia e Carlos Ramos  .. enfim, os grandes clássicos.
Já se disse que são 12 páginas de suplemento especial ... avancemos então um par delas, porque as boas notícias não acabam aqui.
Falemos da hipótese do fado vir a ser ensinado nas escolas.
Não que se pretenda formar fadistas, mas antes seguir a história do fado. Diz o DN: "alunos vão aprender o que é o fado para conhecer a sociedade..."  agora o subtítulo: "candidatura tem programa de ensino desde o pré escolar. O objectivo é familiarizar estudantes com o fado e levá-los a reflectir sobre ele."
E como vai ser?...
Vai ser assim: no primeiro ciclo os alunos serão familiarizados com o género. Começam a ouvir fados e a perceber a sua pluralidade. Diz o jornal que através do estudo das músicas podem também pensar a nossa sociedade – isto no primeiro ciclo...
Agora no 2º ciclo—aqui espera-se que os alunos escrevam textos críticos de análise às letras de fados   e que exprimam a opinião e argumentem a partir das letras dos fados.. diz o DN, que este exercício de produção crítica há-de evoluir depois no secundário.
E em chegando à universidade?... Aqui espera-se que surjam mais trabalhos científicos sobre o universo fadista... um campo de trabalho que se estende pela antropologia e pelos estudos artísticos.
Mas deixem que recue só um par de linhas. Até aqui, onde se diz que as crianças do primeiro ciclo podem vir a aprender através do fado.. ou mais do que isso... podem começar a pensar a nossa sociedade através da música e das letras do fado... na primária, no primeiro ciclo...  a pensar a sociedade através do fado...  ou talvez também a começar a pensar no fado que as espera , tendo em conta a sociedade em que vivem...  o que não é rigorosamente a mesma coisa.

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